O setor de saúde vem promovendo diversas alterações em seu, até então bem estabelecido, modus operandi. As novas e disruptivas tecnologias que surgem no mercado, as consequentes mudanças promovidas nos papéis de pacientes e prestadores e o questionamento acerca do foco voltado para a doença são apenas alguns exemplos que evidenciam a evolução que acontece na saúde.
Nesse sentido, uma discussão pertinente tem aflorado, principalmente no campo da medicina diagnóstica. O value-based healthcare (VBHC), ou cuidado baseado em valor, já é uma realidade em diferentes países e se torna uma maneira cada vez mais inevitável de se lidar com o aumento dos custos em saúde, a ineficiência dos cuidados clínicos e a duplicação de serviços, por exemplo.
O VBHC consiste em um modelo que, por meio de diferentes verticais, busca conferir empoderamento aos pacientes e melhorar a percepção de valor que eles têm sobre o serviço prestado pelas instituições de saúde. Um primeiro passo para empregar esse sistema é a aplicá-lo na remuneração, por exemplo. “Quando falamos em incentivo pelo volume, a solicitação de exames não é feita a partir de uma hipótese diagnóstica baseada em protocolos. É claro que quando prevenimos mais, solicitamos mais exames, mas isso só acontece quando os pedidos são corretos, na época certa e de forma melhor. A mudança na remuneração é uma das principais verticais porque incentiva o desfecho do caso do paciente, não a quantidade de procedimentos solicitados”, analisa Claudia Cohn, presidente da Associação Brasileira de Medicina Diagnóstica (ABRAMED).
Com o VBHC, os prestadores são pagos para melhorar a saúde das pessoas com uma abordagem baseada em evidências. Dessa forma, alcançar a percepção de valor elevada para os pacientes significa que a sustentabilidade do sistema de saúde aumenta e toda a cadeia pode se beneficiar. “Muito precisa mudar no mindset de operador, prestador, usuário e médico. Não somos preparados nas universidades para ter relação direta com solicitação de exames e sabemos que a cultura vigente no usuário é algo difícil de mexer, mas é necessário discutir com toda cadeia a questão da entrega de valor”, explica Flávio Vieira, presidente do Conselho de Administração da Unimed Porto Alegre.
Ainda assim, sabe-se que mudar a atenção do volume para o valor é um grande desafio. “Precisamos debater e estabelecer o que é esse valor, tanto no setor quanto com a sociedade. Além disso, outro passo importante é nos enxergarmos enquanto sistema de saúde, no qual um depende do outro e, apesar de alguns interesses diferentes, temos ações e, principalmente, valor comum. Isso é importante para reorganizar o sistema”, reflete Martha Oliveira, diretora-executiva da ANAHP.
A questão de união dos diferentes players também esbarra na resistência do compartilhamento de dados. “Precisamos vestir as sandálias da humildade e entender que precisamos falar de rede. A saúde é suplementar, ou seja, os sistemas públicos e privados têm que conversar para construirmos um futuro juntos. Com o fluxo de informações que produzimos hoje, podemos resolver cerca de 70% das patologias já na atenção básica”, analisa Francisco Figueiredo, secretário de Atenção à Saúde do Ministério da Saúde.
Apesar de entender que a questão da remuneração é um primeiro passo, algumas instituições se preparam ativamente para essa transição para o VBHC. “Temos o desafio de amadurecer o setor para ele entender que a receita não é o que trará diferença. É importante saber que o desprendimento precisa existir e que isso é um benefício para todos. As pequenas iniciativas talvez tragam um modelo que podemos seguir juntos para termos oportunidade de futuro”, conclui Cohn.
O VBHC na medicina diagnóstica foi um dos temas destacados no Healthcare Innovation Show (HIS) deste ano durante o CEO Summit, na palestra “Redesenho de modelos assistenciais: de volume a valor” e os Summits de Liderança Clínica e Medicina Diagnóstica, respectivamente em “Avaliação de Corpo Clínico” e “Value-based Healthcare para Medicina Diagnóstica”.