O futuro da biosfera digital na área de Saúde é tão acelerado quanto as ambições do coronavirus. Combater a Covid-19 sem tecnologia digital passou a ser tão inútil quanto insano. Nesse sentido, empresas do mundo todo se atentam para o pós-pandemia e, principalmente, para a fase pre-disruption, quando boa parte dos Sistemas de Saúde começarão a sofrer inúmeras e dramáticas transformações em sua forma de atuação.
Uma pesquisa mundial publicada em maio pela research2guidance (R2G), uma das mais importantes empresas de análise mercadológica, sediada em Berlim, joga luzes sobre o papel da indústria de digital health durante e pós pandemia. O estudo “Impact Assessment Survey - How Corona Impacts the Global Digital Health Industry” ouviu 513 especialistas em saúde digital, representando um amplo espectro de empresas, sendo 51% dos entrevistados representantes de empresas de digital health; 11% das instituições de pesquisa e universidades; 9% de profissionais de saúde e hospitais; 8% das empresas farmacêuticas; 5% do setor de Venture Capital e Fundos de Investimento; 4% das empresas Seguradoras e 3% das instituições governamentais. A maioria dos respondentes têm sede na União Europeia (49%) e América do Norte (26%), com 8% na Ásia (Pacífico), 7% na Europa (fora da UE), 7% no Oriente Médio, 2% no África e 1% na América Latina. Tivemos acesso ao report e fazemos aqui um breve resumo dos principais vetores apresentados no estudo.
Destacam-se algumas conclusões que invadem as preocupações de empresários nacionais, sejam eles provedores ou consumidores de tecnologias digitais para a Saúde. De maneira geral, 34% das empresas esperam um impacto positivo da pandemia em seus negócios, e 31% um impacto negativo. Curiosamente, as empresas asiáticas tendem a ter uma visão mais negativa (36%) sobre o surto em seus negócios. Esse equilíbrio de posições, contra e a favor da melhoria dos negócios com a Covid-19, reflete o clima de incertezas com as mudanças transversais à frente, ou seja, quanto do nosso mundo-econômico-social-sanitário continuará a funcionar nas mesmas bases. Todavia, segundo a pesquisa, a indústria de Digital Health terá um impacto positivo em seus negócios, com 44% dos pesquisados identificando uma sequência favorável de crescimento (vale lembrar que atualmente existem mais de 800 milhões de usuários de serviços digitais de saúde em todo o mundo, segundo a própria R2G). Embora no curto prazo a pressão da demanda nessas empresas tenha sido profunda, no longo prazo elas devem esperar uma forte adoção de soluções digitais em quase todos as verticais de healthcare, principalmente no quesito remotelization. Se o animo dos digital-health-providers é grande, no setor de hospitais e demais provedores a sensação é de desanimo: somente 9% deles acreditam que haverá um impacto positivo em seus negócios durante e pós covid-19. Independentemente das perspectivas positivas ou negativas, a maioria dos players da cadeia de saúde afirma que os efeitos serão grandes ou muito grandes (59%) em seus negócios passada a crise epidêmica.
Quando a questão é “Que mudanças positivas você vê no setor de digital health?” a resposta é contundente: 53% acreditam que aumentará sobremaneira a aceitação dos pacientes no uso da tecnologia digital em saúde. Perto de 42% acreditam que haverá um aprimoramento no ambiente regulatório e 39% se mostram otimistas quanto a uma maior aceitação das fontes pagadoras com o ambiente digital. Para quem acompanha com atenção os desdobramentos das tecnologias digitais no ambiente pandêmico, parece bastante óbvio as conclusões da pesquisa quanto as verticais que terão mais impacto: as soluções de TeleHealth terão 65% de impacto positivo, seguidas das soluções de Telemonitoring (42%), ficando o mercado de Self-testing com 31% de crescimento positivo. Já as soluções de rastreamento e georreferencia são vistas como importantes soluções no curto prazo, tendo somente 11% de impacto positivo no longo prazo.
Vale ressaltar a resposta dos entrevistados quanto a duração do surto epidêmico: a maior parte das empresas espera que o surto dure de 4 a 6 meses em seus países (43%), com 24% acreditando que as medidas de bloqueio durem de 7 a 12 meses. Somente 11% esperam que a duração se estenda além de um ano. Outro conjunto de questões mostra que entre 62% e 66% esperam que o principal papel de digital health seja no apoio aos processos de Triagem e Testagem, bem como na Prevenção e Educação. Segundo o estudo, a maioria das empresas de digital health está expandindo suas ofertas, com 62% delas lançando (ou em processo de lançamento) de novas soluções relacionadas ao coronavirus. A velocidade de lançamento surpreende: após 2 meses de início do surto na China, cerca de 30% das empresas lançaram pelo menos uma oferta de digital-health-service relacionada a Covid-19, enquanto outras 32% afirmam estar trabalhando nela. Outro aspecto que chama atenção é o crescimento das soluções de Population Management: os especialistas entrevistados (35%) esperam que as soluções digitais de promoção e gerenciamento da saúde populacional terão grande avanço nos próximos meses.
A pesquisa deixa claro que poucas indústrias de serviço crescerão tanto quanto o mercado de digital health, sendo ele um eixo diferenciador no quebra-cabeça de combate a pandemia. Além disso, está claro para os entrevistados que o impacto será duradouro, com a expectativa de que o aumento da conscientização, aceitação e uso dos serviços digitais não desapareça após a contenção da pandemia, pelo contrário, só tenderão a crescer. Ainda segundo o estudo, a velocidade com que o setor de saúde digital reagiu ao surto foi enorme, fazendo com que governos e provedores de assistência médica tivessem que aumentar de forma exponencial o seu portfólio de soluções digitais.
Nesse cenário prospectivo, cabe lembrar que digitalização não é transformação digital, podendo esse engano ser a ignição para que muitos players corram o risco de desaparecer. Muitas empresas informatizam ou digitalizam seus fluxos de processos, seja na operação dos serviços ou na entrega deles. Trata-se em geral de uma iniciativa legítima de ‘consertação’, voltada a preservar e perpetuar a operação. Embora necessária, o que vem pela frente dentro da cadeia de saúde é muito diferente em termos de sobrevivência empresarial.
Transformação digital é destruir a inércia institucionalizada (marca registrada dos sistemas de saúde) e substituí-la por ativos e competências ‘não ordinárias’. Consumidores transferem dinheiro facilmente por smartphone, mas não conseguem abrir digitalmente uma conta em um banco público (65% das interações bancárias no varejo público – indivíduos de baixa renda – podem até ser iniciadas on-line, mas são redirecionadas para uma agência física). Os mesmos consumidores agendam consultas on-line com o médico, mas ainda precisam estar presencialmente com ele para uma sessão que em média dura menos de 9 minutos. Pacientes pesquisam diuturnamente na internet sobre suas doenças, usando aplicativos mHealth para várias demandas, mas a solicitação de autorização da Operadora para um procedimento continua a ser um processo complicado, papelomaniaco e demorado. Muitas empresas da cadeia de saúde, principalmente do setor público, se orgulham de estar “em pleno processo de informatização e digitalização”, mas poucas percebem que uma IBE (“interação de baixo esforço") custa 37% a menos do que uma interação de alto esforço, que envolve desconfiança, protocolos, repetições, etc., como explica o Gartner. As empresas deveriam aproveitar a pandemia para repensar a sua transformação digital. Ela pode acontecer porque o gestor decide, ou porque o mercado decide que a empresa não é mais necessária.
Guilherme S. Hummel
Coordenador Científico - HIMSS@Hospitalar Forum
EMI - Head Mentor