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Ironicamente, as máquinas tornarão a medicina mais humana

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Médicos trabalharão cada vez mais com máquinas inteligentes

“Em uma década, mais de 90% dos procedimentos cirúrgicos serão feitos por robôs, e 70% das visitas ao hospital serão realizadas na própria casa do paciente usando Telemedicina”. Não é uma afirmação aleatória, mas uma sentença inequívoca do Dr. Eyal Zimlichman, vice-diretor do Sheba Medical Center, o maior hospital de Israel, onde também é chief medical officer e chief innovation. Em setembro último, no webinar “AI to the Rescue: How Startup Tech Is Reinventing the Hospital”, Zimlichman deixou a audiência atônita com essa afirmação. Ele faz coro com inúmeros outros especialistas que apostam na inteligência artificial (IA) e na robótica para transformar completamente a medicina moderna. Ao contrário do que se pensava há uma década, nos dias de hoje boa parte dos médicos envolvidos com IA já considera que seu uso pode tornar a medicina mais humana, dando aos médicos wingspan’ (envergadura) para interagir mais intensamente com os pacientes. Ela pode produzir cuidados mais eficazes e rápidos, eliminando muitas das funções ‘mundanas’ que consomem o tempo dos médicos.

Eric Topol, médico, pesquisador, fundador e diretor da organização sem fins lucrativos Scripps Research Translational Institute, explica: “O aprendizado de máquina pode liberar os médicos da necessidade de escrever ou digitar as informações clínicas dos pacientes. Podemos estar há décadas perdendo o significado real e verdadeiro de cuidar-do-paciente”. Em seu livro “Deep Medicine: How Artificial Intelligence Can Make Healthcare Human Again”, Topol mostra seu otimismo e aderência ao uso intensivo de IA na saúde. “Além de humanizar os cuidados com a saúde, o ‘aprendizado profundo de máquina’ também vai reduzir o erro humano clínico e ajudar os médicos a tomarem melhores decisões”, explica ele. “Os radiologistas eliminam falsamente a doença dos pacientes em 32% das vezes, enquanto gastroenterologistas regularmente deixam de perceber pequenos pólipos que são tão pré-cancerosos quanto os maiores”, continua Topol. Em meio a uma pandemia frenética, muitos médicos estão percebendo que as maquinas inteligentes permitirão a eles fornecer cuidados mais individualizados e com maior probabilidade de sucesso. Por outro lado, persiste a corrente que acredita que as mesmas máquinas são uma ameaça aos profissionais de saúde, que seriam substituídos por robôs, equipamentos e sistemas. Há até fervor em contestar o chamado ‘falso avanço da medicina’, sempre defendendo que a autonomia do médico não deve ser questionada por qualquer ‘máquina digital’.

A Covid-19 está acelerando o processo de transformação na academia médica e na cadeia de serviços clínicos. Essa jornada tem na inteligência artificial algo como um “Virgílio segurando a mão de Dante para levá-lo ao próximo nível”. Uma pesquisa conduzida pelo MIT Technology Review e GE Healthcare, publicada em 2019, mostrou que 80% dos profissionais de saúde consideram que as ferramentas de inteligência artificial os ajudam a mitigar o esgotamento profissional, possibilitando um melhor atendimento clinico. “Ao contrário do medo comum, mas não comprovado, de que as máquinas substituam os trabalhadores humanos, as tecnologias de IA na área de saúde podem na verdade estar 'reumanizando' o atendimento”, explica o relatório. A pesquisa foi realizada com mais de 900 profissionais de saúde (antes da pandemia), descobrindo que boa parte deles já estão usando IA para melhorar suas análises, permitir melhor assertividade de tratamento, refinar o diagnóstico e reduzir claramente a carga clínico-administrativa, liberando-os para dar mais atenção aos pacientes. O estudo descobriu também que as equipes médicas com projetos-piloto de IA gastam 1/3 a menos de tempo em relatórios e outras tarefas sistemáticas, enquanto aqueles com programas extensos de IA gastam 2/3 a menos de tempo com essa artilharia burocrático-assistencial. Além disso, 45% dos participantes disseram que IA os ajuda a aumentar o tempo da consulta médica, bem como o tempo para realizar cirurgias e outros procedimentos. Aquelas equipes médicas que iniciaram mais cedo, e hoje utilizam IA em projetos mais extensos, conseguem obter ‘70% a mais de tempo para os procedimentos assistenciais diretos com os pacientes’, explica o estudo. Isso deverá significar também redução do burnout médico, ampliação do tempo de estudo do profissional e aprimoramento de suas práticas clínicas. Os céticos, por outro lado, sempre têm uma carta na manga: “as máquinas digitais trucidam a humanização da medicina”.

Humanização é um conceito intrincado de entender por apresentar características subjetivas e complexas. O que é cuidado humanizado para uma pessoa pode não ser para outra. O que está claro é que dentro da expressão ‘atenção humanizada’ está o contexto de respeito (aos costumes, desejos, crenças e valores dos pacientes). Ou seja, independente do atendimento clínico, é mister considerar as particularidades de cada paciente, e incluir no atendimento carinho, dedicação e atenção às suas angústias. Todas essas ações coordenadas exigem do profissional de saúde algo que hoje ele tem cada vez menos: tempo. Com um déficit de profissionais em quase todos os países, incluindo no Brasil, é pouco provável que neste século exista uma ‘solução’ para melhorar a efetividade do tempo médico que não passe pela adoção das ‘máquinas de inteligência artificial’. Exemplo: uma enfermeira entra em seu turno do Duke University Hospital quando ouve um ‘alarme-máquina’. Era o aplicativo Sepsis Watch sinalizando que um paciente estava sob risco de desenvolver sepse. O software transmite alertas de um algoritmo que é alimentado por 32 milhões de data-points de pacientes já tratados no hospital. O sistema (um deep-learning) foi desenvolvido pelo hospital para sua equipe de enfermagem, permitindo uma resposta de proteção rápida e dando mais segurança, tranquilidade e tempo de atendimento aos pacientes. Assegurar proteção em tempo hábil sempre será um sublime gesto de humanidade.

O uso de IA no setor de saúde deve crescer rapidamente a uma taxa anual de 40% até 2022 (US$ 6,6 bilhões, contra US$ 600 milhões em 2014). Alguns dos motivos dessa expansão são claros: as máquinas inteligentes despressurizam os sistemas, aliviam a carga na tomada de decisão e poupam o ‘leadtime’ dos profissionais de saúde. Como explica Michael Brady, professor de imagens oncológicas na University of Oxford: “Descobrimos que quando combinamos tecnologias de imagem baseadas em IA com o trabalho dos radiologistas, os resultados superam em muito quando esses dois eixos operam sozinhos, um sem ajudar o outro”. Ainda de acordo com Brady, médicos oncologistas, por exemplo, podem examinar 200 casos por vez, sendo que a maioria das informações que eles examinam não é clinicamente significativa. Bijoy Khandheria, cardiologista no Aurora Health Center (rede norte-americana com 15 hospitais e mais de 150 clínicas), define melhor a meta: “Afinal, na saúde, a prioridade é o paciente. Com IA, os humanos não estão indo embora; estão apenas tomando decisões mais inteligentes e com menos erros”.

As ‘máquinas inteligentes’ diferem dos avanços médicos anteriores. As tecnologias passadas eram usadas para aumentar a capacidade física dos profissionais de saúde (o estetoscópio melhorou a audição, o raio-X a sua visão, etc.). A inteligência artificial está entrando na arena como um ator ‘moralmente’ diferente. As plataformas de IA vão liberar tempo dos médicos para aprimorarem a sua empatia com os pacientes. A combinação de empatia e criatividade-técnica é o que justifica o paciente assumir uma posição de confiança no médico. A empatia, portanto, desempenha um papel central na interpessoalidade do cuidado. Ela rejeita o paternalismo e une o médico ao paciente para encontrar as soluções adequadas. Um fotografo neste século, por exemplo, gasta infinitamente menos tempo com a tarefa mecânica de processar o filme, tendo muito mais tempo para a expressão criativa e para sua relação com o entorno, sendo, portanto, cada vez mais humano. Atendimento médico humanizado não pode ser só um clichê, ou um programa de conscientização sem o ferramental para torná-lo factível. Essa fase de introdução de máquinas inteligentes, sistemas em deep learning, robótica, telehealth, health-analytics, etc. será também um movimento de aprendizado para o paciente, que em breve estará também reavaliando seus valores, suas premências e aquilo que espera dos serviços médicos. Ou seja, a percepção da humanização médica também vai mudar. Com descreveu o psiquiatra, antropólogo e professor na Universidade Harvard, Arthur Kleinman, em seu último livro (“The Soul of care: the moral education of marido and doctor”): “O cuidado é um processo de compartilhamento, no qual damos e recebemos atenção, afirmação, assistência prática e apoio emocional. Cuidar envolve momentos de terror e pânico, de dúvida e desesperança, mas também momentos de profunda conexão humana, de honestidade e revelação, de propósito e gratificação. Assim, o domínio do cuidado médico se estende muito além dos limites da medicina".

 

Guilherme S. Hummel

Coordenador Científico - HIMSS@Hospitalar Forum

eHealth Mentor Institute (EMI) - Head Mentor

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